A internet nos torna burros. Ela nos rouba a alma, esvazia nossas personalidades e reduz nosso tempo de atenção. Essa ideia nonsense agora está sendo expressa por uma fonte inesperada: Bill Keller, diretor executivo do New York Times, jornal que sabe bem como usar a rede.

A demonização das ferramentas, não apesar de sua utilidade, mas por causa dela, é um dos argumentos falsos mais ridículos no debate recente sobre a internet e a digitalização. Calculadoras de bolso diminuíram nossas habilidades matemáticas, dizem alguns, tornando-nos menos capazes de fazer cálculos de cabeça do que, digamos, eram as pessoas nos anos 50.

Os discos rígidos dos computadores e cartões SD dos telefones celulares estão roubando o resto da capacidade de memorização que a maldita mídia impressa já nos havia tirado. No momento, os sistemas de GPS estão destruindo nosso senso de direção. Ah, as muitas formas como as máquinas estão nos privando de pensar e fazendo com que nossos cérebros murchem. “Estamos terceirizando nossos cérebros”, escreveu o editor executivo do New York Times Bill Keller na última quarta-feira.

De acordo com sua lógica, resolver problemas do mundo real – fazer contas, armazenar informação e encontrar o caminho nas ruas – é um passo na direção errada, porque isso nos deixa cada vez mais com os cérebros flácidos.

O lamento de Keller sobre nossas capacidades cognitivas e habilidades mostra o absurdo que é quando alguém estende seus argumentos um pouco mais para o passado. Hoje, muito poucas pessoas sabem fazer cestas, assar pão ou arar a terra com um boi, um rastelo ou um arado.

Na verdade, só o esforço físico de arar um campo seria demais para nós. Todos na Alemanha leram críticas suficientes nos últimos anos sobre os beneficiários de seguro social que simplesmente não estavam à altura da difícil tarefa de colher aspargos ou pepinos.

Mas o fato é que a maior parte da população economicamente ativa dificilmente seria capaz de fazer essas tarefas ou outras similares.

Não há dúvidas de que um fazendeiro do século 18 era mais forte do que nós somos hoje, e que ele provavelmente era capaz de suportar a dor sem reclamar tanto (e, por isso, também tinha uma vida bem mais curta).

Isso sugere que o declínio da humanidade deve ter começado com a invenção do maquinário agrícola movido a vapor, ou com o uso dos cavalos de carga.

Criticar o progresso tecnológico levando em conta as maneiras pelas quais ele facilita nossas vidas é tanto absurdo quanto reacionário.

E, no entanto, esta atitude expressa de forma aberta e clandestina, está ganhando força mais uma vez. Isso acontece por causa da velocidade com a qual a tecnologia digital está mudando o mundo atualmente, o que alguns veem como uma experiência dolorosa.

A digitalização parece ser percebida como algo mais tortuoso quanto mais tarde ela entra na vida de uma pessoa. Apenas como um parêntese: está cientificamente provado que a capacidade do ser humano se ajustar às mudanças começa a declinar rapidamente por volta dos 35 anos.

O experimento masoquista de Keller

Bill Keller nasceu em 1949. À primeira vista, sua revolta contra o mundo digitalizado parece tão surpreendente porque, como ele mesmo escreve, seu próprio jornal, o New York Times, “abraçou as novas mídias com um estilo criativo e vencedor de prêmios”.

O jornal foi um dos primeiros a criar o cargo de “editor de mídias sociais” para profissionalizar a interação entre o site do New York Times e as redes sociais como o Facebook e Twitter. Na verdade, o Times é visto como um modelo de jornalismo online.

O próprio Keller usa o Twitter. Para escrever o artigo, ele fez o que chamou de “uma espécie de experimento masoquista”, no qual tuitou “#OTwitterDeixaVocêBurro. Discuta”, e esperou para ver o que acontecia. Como era de se esperar, a maioria dos twiteiros discordaram de Keller.

Essa, a propósito, é a mesma maneira como as pessoas no mundo offline na Alemanha reagiriam se dissessem a elas que são ou estão se tornando burras: elas ficariam irritadas. É um experimento fácil.

Qualquer um pode tentar: basta entrar num bar esportivo, numa biblioteca, ou numa aula de samba e gritar em alto e bom som: “o futebol, a leitura ou o samba deixam as pessoas burras! Discutam!”

Em contraste com o resultado presumível desses experimentos do mundo real, o tweet de Keller, surpreendentemente, não desencadeou apenas rejeição. Na verdade, como ele escreveu, também “produziu alguns poucos momentos de ironia” e “alguns pontos honestamente óbvios”, incluindo a observação: “depende de quem você segue”.

O professor de jornalismo Jeff Jarvis, a quem Keller não citou em seu artigo, respondeu a ele pelo Twitter: “Bill. O NYT não nos diz mais o que discutir. O Twitter sim. ;-)”

Entretanto, Keller concluiu, baseado em sua avaliação pessoal das reações ao seu tweet: “quer o Twitter deixe ou não as pessoas burras, ele certamente faz com que algumas pessoas inteligentes pareçam burras.”

O preço da inovação

Keller diz temer que desta vez o preço da inovação possa significar perder “uma parte de nós mesmos”, uma preocupação que ele descreve com as objeções usuais e costumeiras à comunicação digital: ela não é nada “social”, ela apenas nos distrai, promove formas de comunicação rasas e triviais e, pior que isso, ameaça “nossa capacidade de refletir, nossa busca por significado, a empatia genuína, um senso de comunidade conectado por algo mais profundo do que comentários sarcásticos ou afinidade política”.

O motivo real para essa posição surpreendente do jornalista em relação às redes sociais atuais foi aparentemente uma experiência com sua filha de 13 anos.

Ele conta que ele e sua mulher recentemente permitiram que a garota abrisse uma conta no Facebook. “Dentro de poucas horas ela já tinha 171 amigos, e eu me senti um pouco como se tivesse dado à minha filha um cachimbo de crack.”

É possível imaginar como Keller pode ter recontado essa experiência para um grupo de editores sêniores do New York Times, que também devem ter tido experiências similares com seus filhos, e como o debate subsequente, permeado de piadas e interjeições, eventualmente levou alguém a sugerir que ele escrevesse algo sobre o assunto, porque isso simplesmente precisava ser dito.

É quase um fato reconhecido que os pais cujas filhas de 13 anos descobriram uma nova paixão, seja ela o hipismo ou Justin Bieber, geralmente observam algo semelhante ao que Keller, de 62 anos, experienciou com sua filha: um fascínio incompreensível e excessivo por um objeto aparentemente trivial.

O fato de o editor executivo do New York Times ter usado isso como uma oportunidade para diagnosticar um efeito possivelmente destruidor da alma provocado pela mídia social sugere muita angústia guardada em relação ao presente (e relativamente pouca confiança em sua própria filha).

Geração internet

O jornalista não fornece provas para seus vastos temores, a não ser seu desconforto pessoal. A filha de 13 anos de Keller provavelmente conhece a maior parte de seus 171 amigos do Facebook pessoalmente.

Muitos estudos nos Estados Unidos e Alemanha mostraram que, na maior parte dos casos, as redes sociais na verdade refletem os ambientes sociais reais dos usuários jovens. Isso não se aplica da mesma forma aos editores executivos de jornais de 62 anos de idade.

As pessoas acima de 50 anos têm uma desvantagem crítica em comparação com aquelas abaixo dos 40 (a grosso modo) no que diz respeito à internet comunicativa: a maioria delas as conheceu como uma ferramenta de trabalho sem alegria, escrevendo seus primeiros e-mails para colegas de trabalho ou para o chefe, e não para uma garota por quem estão secretamente apaixonados.

Eles tiveram contas no Facebook antes de sentir que deveriam, não porque é ele um canal para seus amigos se comunicarem uns com os outros. E eles se comunicam, pelo Twitter, por exemplo, com completos estranhos. Não é terrivelmente surpreendente que esse tipo de comunicação produza conversas que alguns caracterizam como “vazias”, “não sociais” ou “triviais”.

O fato de que essas pessoas sintam que falta qualidade nas conversas provavelmente tem mais a ver com seu trabalho do que com a internet. É tão impossível tirar conclusões gerais sobre os efeitos da mídia social na vida espiritual da humanidade a partir dessa noção como é impossível tirar conclusões gerais sobre a utilidade das polias para o diâmetro médio do bíceps do homem moderno.

Fonte: Christian Stöcker, DER SPIEGEL/UOL. Tradução: Eloise De Vylder. Assinantes Folha/UOL, aqui.

6 respostas para “Diretor do “New York Times” diz que internet deixa as pessoas burras; você concorda?”.

  1. […] Bill Keller: “A internet nos deixa burros” […]

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  2. Avatar de lupi
    lupi

    nao deixa as pessoas burras porque tem pessoas que usam e nao sao burras

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  3. Avatar de Andre Dutra Carvalho

    Boa a matéria e as comparações do homem moderno vs o contemporâneo. Mas eu tenho 39 anos (não sou velho ainda), nasci no final dos anos 70, vivi a era do vinil e da fita cassete, TV p&b etc. E hoje uso a tecnologia de boa, me adaptei perfeitamente e inclusive viciei, mas esse elo, essa transição, me faz concordar em parte com os comentários de Keller. No meu tempo jogatina era ir na casa do amigo, reunião de amigos, hoje em dia é cada um na sua casa. Como posso discordar que essa amizade é muito mais superficial do que você se reunir com pessoas e até fazer outras atividades como pedalar, praticar esportes etc. E isso vale para tudo, para as amizades online também, estamos cheios de amigos e cada vez mais solitários, a tecnologia é boa? Sim, mas tem o seu preço e as pessoas vão viver é menos, pois se alimentam mal e não praticam atividades físicas, preferem ficar no conforto do sofá acessando Facebook. Quantos de nós chegarão aos 90? Os caras que não tinham internet trabalhavam com 12 ou 13 anos, e passa tempo era subir em árvores, correr, jogar bola…

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Alfredo Passos

Partner da Atelier Brasil, Competitive Intelligence Professional, autor: A VIRADA – Programa de Aceleração de Vendas – PAV, metodologia exclusiva da Atelier Brasil Serviços e Soluções.

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